terça-feira, 24 de setembro de 2013

Doença Celíaca


Hoje é dia de retirar um espaço do blog pra falar da doença Celíaca ou enteropatia sensível ao glúten, uma doença inflamatória do intestino delgado que resulta da resposta inapropriada autoimune, mediada pelas células T, à ingestão do glúten em indivíduos com predisposição genética expressam haplótipos das moléculas apresentadoras de antígenos HLA-DQ2 e HLA-DQ8 que se ligam aos peptídeos do glúten. Quando as células T apresentam as moléculas de peptídeo do glúten, elas produzem citocinas que iniciam a reação inflamatória e autoimune, e estimulam os plasmócitos a produzir anticorpos antigliardina, transglutaminase e endomísio (Chand e Mihas, 2006).

O quadro clínico classicamente tem sintomas referentes ao trato grastrintestinal: diarréia, vômitos, distensão e/ou dor abdominais e sinais de má absorção de intensidade variável. Manifestações extra intestinais como anemia, infertilidade, doenças ósseas, distúrbios psiquiátricos ou neurológicos podem ocorrer mesmo na ausência de queixas gastrintestinais. Em muitos casos pode ser clinicamente silenciosa, apesar da existência de lesões na mucosa intestina.

O glúten refere-se a uma fração de peptídeos específicos encontrada no trigo, centeio e cevada. No trigo, os peptídeos agressores são gluteninas e gliadinas; no centeio, secalina; e na cevada, a hordeína. Estas moléculas de peptídeo são resistentes à digestão completa por enzimas GI e sua interação com moléculas do sistema imune pode desencadear uma resposta inflamatória contra a mucosa do intestino delgado e uma resposta imune sistêmica mais generalizada.

Em casos não tratados, a resposta exagerada imune e inflamatória eventualmente resulta em lesão suficiente da mucosa intestinal, a ponto de comprometer as funções secretoras, digestivas e absortivas normais, principalmente no intestino delgado proximal. As células dos vilos tornam-se deficientes em dissacaridases e peptidases necessárias para digestão e também em transportadores de nutrientes para sistema circulatório. A extensão da lesão aos vilos intestinais e estruturas circunjacentes varia muito, mas a atrofia e achatamento dos vilos reduzem a absorção de micronutrientes e macronutrientes.

 1.   Definição
A doença celíaca (DC) é definida como um estado de permanente de sensibilidade ao glúten do trigo e a proteínas afins do centeio e da cevada. Ocorre em indivíduos geneticamente suscetíveis e se manifesta como uma enteropatia imunomediada, com sintomas gastrintestinais e não gastrintestinais. Verifica-se também em indivíduos assintomáticos, portadores de condições a ela associadas.
Foi historicamente descrita com vários nomes: afecção celíaca, acolia, infantilismo intestinal, infantilismo celíaco, doença de Gee-Herter, doença de Heubner-Herter, espru não tropical, espru celíaco, esteatorréia idiopática, enteropatia induzida pelo glúten e, mais recentemente, enteropatia sensível ao glúten. Doença celíaca é o nome mais utilizado. O termo celíaco vem do grego koiliakos (= relativo ao ventre).

2.   Bases genéticas da Doença celíaca
Inicialmente, a doença celíaca foi associada a à molécula B8 da classe I do sistema HLA. Posteriormente, observou-se que a DC tinha forte associação com marcadores da região D da classe II, HLA-DR3 e HLA-DR7. O alelo DR3 dá suscetibilidade à DC combinado com qualquer alelo DR, enquanto o DR7 está associado com a doença celíaca apenas quando combinado com DR3 ou DR5.
Como relatado por Sollid et al (1989), apesar da associação inicialmente estabelecida com moléculas da classe I (HLA-B8) e da classe II (HLA-DR3 e HLA-DR5/DR7) do sistema HLA, a vase comum para DC é a associação com o HLA-DQ2, presente em 90 a 95% dos pacientes com a doença e apenas em 20 a 30% do grupo controle saudável europeu.
Mais recentemente, Greco et al (1998) concluíram que o genótipo do HLA, apesar de essencial para a presença da doença, não está relacionado com a sua apresentação clínica. Todos os portadores de DC, independente da manifestação clínica, compartilham a mesma forma de identificação do antígeno. Portanto, fatores individuais e ambientais e outros genes fora da região do HLA devem modular a expressão clínica da doença.

No Brasil, recente estudo de HLA da classe II foi realizado em portadores de DC por SILVA et al (2000), que demonstrou maior suscetibilidade para DC conferida pelos alelos HLA-DRB1 *03, HLA-DRB1*07, e HLA-DQB1*02.

3.   Patologia
Acomete principalmente a região proximal do intestino delgado, com dano mais intenso no duodeno e jejuno proximal, porém, em alguns indivíduos pode envolver todo o intestino (CICLITIRA; MOODIE, 2003). A gravidade dos sintomas não é necessariamente proporcional à extensão das lesões da mucosa, sendo que pacientes com atrofia total de vilosidade podem ser assintomáticos ou apresentarem sintomas subclínicos. Em alguns casos podem ser observadas anormalidades na mucosa gástrica e retal (BAI et al., 2005).

Demonstrou-se uma sequência de lesões da mucosa induzidas pelo glúten: fase inicial mostrando um padrão infiltrativo, posteriormente lesão hiperplásica e, finalmente, um quadro destrutivo de mucosa totalmente atrofiada (MARSH et al., 1992). Na fase inicial, a mucosa caracteriza-se por apresentar vilosidade normal, sendo o epitélio preenchido por numerosos linfócitos pequenos e não mitóticos. Esta alteração pode ocorrer em pacientes que foram desencadeados com baixas doses de gliadina, em parentes de primeiro grau de pacientes celíacos e, em muitos casos, de dermatite herpetiforme. A fase seguinte caracteriza-se essencialmente por hiperplasia críptica. A fase final apresenta a clássica lesão de atrofia vilositária, hiperplasia críptica e grandes linfócitos intraepiteliais.

A doença pode estar associada a outros estados inflamatórios, como dermatite hipertiforme (uma variante da doença que envolve a pele), dores musculares e articulações e outras doenças que envolvem a retirada do glúten da dieta por toda a vida.

Aquelas pessoas que persistem em não fazer a dieta com retirada do glúten têm risco aumentado de desenvolver linfomas e outras malignidades, influenciando a morbidade geral.

A chave para a deflagração da DC são os péptides inorgânicos específicos do glúten. Um aspecto singular de gliadina é o seu alto conteúdo de sequências repetidas de prolina e glutamina (epítopos antigênicos) que atuam na estimulação das células T e no reconhecimento pela TGT. As proteínas ingeridas são substrato para degradação proteolítica pelas enzimas gastrintestinais, antes de qualquer exposição ao sistema imunológico. Logo, a questão se os epítopos podem sobreviver a essa degradação tem implicações críticas para sua relevância funcional.

O peptídeo apresenta as propriedades necessárias para iniciar uma resposta imunológica nos celíacos: sobrevive à ação enzimática no trato gastrintestinal, é um bom substrato para a TGT, é acumulado nas moléculas HLA-DQ, ativa as células T e, além disso, homólogos desse peptídeo foram encontrados em todos os grãos tóxicos para os celíacos.

Sabe-se apenas que a permeabilidade do epitélio está aumentada em casos de Doença Celíaca (DC), condição que permite a passagem das mesmas. A zonulina, que participa na regulação fisiológica da permeabilidade das junções íntimas dos enterócitos, está com sua expressão aumentada na fase aguda da DC e isso contribui para alterar a função da barreira intestinal à passagem de antígenos ambientais envolvidos na patogênese da doença. Quando exposto a gliadina, o enterócito reage com a secreção de zonulina (esse processo é limitado em casos normais). Na DC, esse processo de reação com a zonulina é aumentado, o que gera aumento na permeabilidade, permitindo a passagem das macromoléculas do lúmen. 


3.1. Toxicidade da Gliadina
Diversos estudos estabeleceram a toxicidade celíaca em testes alimentares baseados na produção de sintomas como a esteatorréia e na má absorção da xilose. Mesmo com a digestão do glúten ou da gliadina com pspsina e tripsina isoladas ou acompanhadas de pancreatina ainda há a presença de toxicidade celíaca. No entanto, a degradação completa da gliadina em aminoácidos livres parece tornar a doença menos agressiva. Estudos in vivo e in vitro demonstraram que todos os subgrupos produzem efeitos tóxicos.

A hidrolização parcial da gliadina não determina perda total da toxicidade, então foi determinado o peptídeo tóxico, denominado B3242, proporções altas de glutamina e prolina que correspondem à posição 3-55 das gliadinas tipo α. Em vitro os achados de linfócitos T intraepiteliais são maiores do que a contagem normal, sendo aumentados para mais que 40 a cada 100 células epiteliais (são encontrados LIE no interior do epitélio intestinal normal, em geral na base das células, com densidade de 20-40 linfócitos para cada 100 células), e a altura e profundidade das vilosidades das criptas estão alteradas quando testadas com aminoácidos 31-49 da A-gliadina que é um peptídeo sintético derivado da α-gliadina.

Apesar da evidência de esses linfócitos terem capacidade citolítica, a presença de um número aumentado de LIE no epitélio jejunal não é, por si, determinando de lesão das vilosidades.

 4.  Lesões
Lesão Infiltrativa (Leve, grau I): Caracterizada pela presença de vilosidades normais isoladas e vilosidades bifurcadas, alargadas ou fusionadas. O epitélio da superfície intestinal é anormal com perda da polaridade do núcleo e aumento dos LIE. Esta lesão não está associada a sintomas gastrointestinais ou má-absorção podendo ser induzida pelo glúten em pacientes previamente sensibilizados e é dependente da quantidade de antígeno e do tempo de exposição (GALLEGO, 2002).

Lesão Hiperplásica (Moderada, grau II): É uma lesão similar ao tipo 1, porém com aumento das criptas e das bifurcações, com encurtamento das vilosidades. O epitélio, assim como as vilosidades, está infiltrado por LIE. Pode ser induzida com quantidade moderada de antígeno em pacientes sensibilizados pelo glúten (GALLEGO, 2002).

Lesão Destrutiva (grau III/IV): Caracterizada por mudanças difusas com vilosidades encurtadas e criptas mais profundas. Corresponde ao achatamento típico da mucosa originalmente associada á DC. Ocorre em pacientes sintomáticos e em cerca de 50% dos parentes de Io grau de celíacos como DC silenciosa.Além das lesões de mucosa descritas acima, dois outros padrões devem ser considerados:

Lesão pré-infiltrativa: A biópsia intestinal é normal, porém os pacientes apresentam altos títulos de IgA e IgM nas secreções intestinais contra a gliadina. Não se sabe se a mucosa intestinal desses indivíduos permanece normal ou progride para uma lesão mais severa.

Lesão Hipoplásica: Este estádio extremo da sensibilidade ao glúten surge como resultado da presença de um clone de células T malignas dentro do trato intestinal. É uma lesão irreversível uma vez que não ocorre recuperação da mucosa após a retirada do glúten (GALLEGO, 2002).


5. Tratamento Nutricional
A dieta torna-se necessária. A eliminação dos peptídeos é o único tratamento da doença.